Alguns detalhes sobre os motivos da nova classificação de Plutão e a falsa idéia de que Plutão atravessa a órbita de Netuno.
A decisão da União Astronômica Internacional (IAU, da sigla em inglês de International Astronomical Union) de criar uma nova classe de objetos astronômicos e diminuir o número de planetas do Sistema Solar repercutiu de maneira estrondosa. Todos, astrônomos ou não, têm alguma opinião a respeito, e estamos longe de conseguir um consenso.
Desde sua descoberta, Plutão foi visto com muita curiosidade. Não era fácil entender como um corpo pequeno como ele estava localizado numa região onde só havia planetas gigantes. Durante muito tempo, admitiu-se a idéia de que ele deveria ter sido um satélite de Netuno que saiu de sua órbita ao redor deste planeta. Cogitou-se também de Plutão ter se formado no cinturão de asteróides, e ter tido sua órbita alterada por algum impacto, ou perturbação gravitacional, lançando-o até a órbita que ocupa hoje.
De qualquer forma, Plutão sempre foi um caso à parte. Ainda assim, foi classificado como planeta. Mas a natureza de Plutão tornou-se menos obscura quando estudos posteriores de cometas de longo e curto período levaram às hipóteses de duas novas regiões no sistema solar: o Cinturão de Kuiper e a Nuvem de Oort.
A Nuvem de Oort seria a fonte dos cometas de longo período, aqueles que completam uma volta ao redor do Sol em mais de 200 anos. Esses cometas parecem vir de direções aleatórias do céu, de modo que os objetos da Nuvem de Oort distribuem-se esfericamente, como uma casca confinando o Sol e todos os objetos que estão consideravelmente sob sua influência gravitacional. A Nuvem de Oort marca o limite do Sistema Solar, e situa-se a cerca de cinqüenta mil vezes a distância entre a Terra e o Sol.
O Cinturão de Kuiper seria um disco formado por pequenos corpos, muitos deles semelhantes a Plutão, e teria início após a órbita de Netuno. Do Cinturão de Kuiper viriam os cometas que completam uma volta ao redor do Sol em menos de 200 anos, que são chamados cometas de curto período.
O Cinturão de Kuiper e a Nuvem de Oort unem-se através do Disco Disperso. A Figura 1 ilustra essas três grandes regiões do Sistema Solar.

Com o desenvolvimento das tecnologias de observação do céu, descobrimos que o Cinturão de Kuiper é real. Nas vizinhanças de Plutão, apareceram diversos corpos semelhantes a ele, e muitos ainda vão aparecer.
Após a comprovação observacional do Cinturão de Kuiper, a natureza de Plutão foi melhor compreendida. Não era satélite nem asteróide que teve sua órbita alterada, mas um objeto do Cinturão de Kuiper, e, como ele, vários outros existiam.
A discórdia
Em abril de 2006, foi anunciada a descoberta de um objeto maior que Plutão localizado no disco disperso. Isso provocou uma ruptura na comunidade astronômica. De um lado os que defendiam que Plutão deveria continuar sendo chamado de planeta e o novo objeto, maior que ele, assim como outros que viessem a ser descobertos, também deveriam ser planeta. Do outro lado, os que achavam que Plutão, por ser muito mais semelhante aos novos objetos descobertos do que aos outros planetas, deveria ter uma classificação diferente, que também servisse para aqueles novos membros da família solar recentemente descobertos.
A União Astronômica Internacional optou, por votação, pela criação de uma nova classe de corpos celestes, que seriam os planetas anões, e também pela mudança de classificação de Plutão. Ele deixa de ser planeta e passa a ser planeta anão. Apesar da expressão utilizar a palavra “planeta”, é fundamental se ter em mente que planeta anão não é planeta.
Para criar essa nova classe de objetos, foi preciso defini-la com bastante precisão. E, para diferenciar planeta anão de planeta, também foi estabelecida uma definição mais clara para planeta. A única diferença entre planeta e planeta anão está em um detalhe que diz respeito à distribuição de matéria em sua órbita.
Tanto planeta como planeta anão gira ao redor de uma estrela. Tanto planeta como planeta anão tem que ser aproximadamente esféricos; isso exclui a maioria dos asteróides e cometas. A grande diferença está no que diz respeito a uma característica da órbita.
Um planeta tem que ter a vizinhança de sua órbita livre. Isso significa que em seu processo de formação, a maior parte do material em torno juntou-se para formá-lo, sem sobrar material para dar origem a outros corpos semelhantes. Note que o Cinturão de Kuiper, onde estão muitos planetas anões, é uma região bastante povoada, semelhante ao cinturão de asteróides. Essa situação não se encontra nas órbitas dos oito planetas do Sistema Solar.
Depois de resolvida a questão, o tal objeto maior que Plutão foi batizado de Éris (oficialmente 136199 Éris), deusa grega da discórdia e da contenda. Bom nome para um astro que gerou divisão na comunidade astronômica.
Plutão cruza a órbita de Netuno?
Algo que poderia ser perguntado é: mas se Plutão cruza a órbita de Netuno, então Netuno não tem sua órbita livre. A questão é que Plutão não cruza a órbita de Netuno. Muitos livros didáticos antigos traziam ainda mais esse erro.
O erro vem de uma questão de perspectiva. Dê uma olhada na Figura 2, que traz a órbita de Plutão em vermelho (mais externa), e também as órbitas de Saturno, Urano e Netuno, imediatamente antes da órbita de Plutão.

Parece que a órbita de Plutão cruza a órbita de Netuno? Parece. Mas veja abaixo a mesma imagem em uma outra posição.

A órbita de Plutão é bem mais larga que a de Netuno e está bastante inclinada em relação às órbitas dos outros planetas, apenas isso.
3 respostas em “Quando um Planeta Não é Mais Planeta”
Cara, seu blog é mto, mto bom, adorei praticamente todo o conteudo, me esclareceu mto sobre astronomia, assunto que eu simplesmente adoro, mas percebi que para obter esse conhecimento do universo é necessario um bom conhecimento de matematicas não?
Oi, Henrique!
Rapaz, muito obrigado por sua visita, e fico extremamente feliz de saber que você gostou do blog. É muito gratificante encontrar aqui pessoas que também adoram céu e os mistérios da Astronomia.
Cara, a questão da matemática é que ela é uma ferramente para entendermos o funcionamento da natureza. A matemática é uma linguagem, não uma ciência – ela é um acessório (fundamental) para a ciência.
Por exemplo, você pode compreender intuitivamente que consegue puxar uma pedra com uma corda. Mas se você quiser saber que tipo de corda é necessária para puxar uma determinada pedra, vai ter que descrever as relação entre o peso da pedra, o atrito entre a pedra e o chão, e a resistência de diferentes tipos de corda. Para isso, vai ser necessário algum estudo que envolve medidas dessas grandezas: peso, atrito, resistência, etc. Aí, saímos da intuição e começamos a utilizar matemática como ferramenta.
Não é suficiente para nós saber que um cometa gira ao redor do Sol, e não se trata de um fenômeno atmosférico como acreditava Aristóteles. Nós queremos, também, conhecer seu caminho, sua trajetória, seja apenas para conhecermos mais de um corpo do Sistema Solar, seja para saber se existe chance de colisão com a Terra. Para isso, precisamos conhecer quantitativamente (ou seja, não apenas qualitativa ou intuitivamente) como a gravidade do Sol e do cometa influenciam seu movimento.
Como uma estrela brilha? A pressão no interior produz fusão nuclear: para saber isso, precisamos medir o volume da estrela, saber do que ela é composta e calcular quais seriam a pressão e temperatura produzidas por aquele volume de material. Mais matemática usada para descrever a relação entre grandezas físicas (volume, pressão, temperatura, etc.).
Existem físicos e astrônomos profissionais que não gostam muito de matemática. O exemplo mais célebre é Einstein!
Sem dúvida, a vida de um cientista, de qualquer área, é mais fácil se ele não tiver implicância com matemática. Mas ela não deve ser usada como obstáculo.
Matemática é legal, te garanto! Principalmente quando você vê que ela pode te dar informações sobre o comportamento da natureza. É muito legal.
Evidentemente, muita coisa da Astronomia pode ser aproveitada sem matemática, como a beleza, as técnicas fotográficas, o papo com outras pessoas que gostam. E antes de se compreender qualquer fenômeno com o auxílio da matemática, é necessário compreendê-lo intuitivamente. Qualquer coisa na astronomia, desde o brilho dos meteoros, até a formação de buracos negros, podem ser compreendidos intuitivamente. Se você quiser trabalhar com isso, e conhecer esses fenômenos mais profundamente, aí sim, será necessário dedicar-se à matemática.
Espero que tenha ajudado.
Um Forte Abraço, e espero vê-lo novamente por aqui.
Sua resposta a essa pergunta foi mais rica que todo o artigo a que ela se relaciona. Parabéns pelo carinho e cuidado na exposição deste conhecimento. 😉