O pressuposto básico da Cosmologia moderna e os dois principais conceitos envolvidos: a homogeneidade e a isotropia do Universo.
O princípio cosmológico é o pressuposto básico de toda cosmologia moderna. Evidentemente, como acontece com quase todas as ideias científicas, há quem conteste. É devido a contestações que uma teoria científica, ou mesmo um princípio, é substituída por outra, ou tem sua consistência cada vez mais confirmada. No caso do princípio cosmológico, nenhuma contestação foi ainda capaz de abalar sua importância atual.
Ao longo da história, vários princípios cosmológicos existiram. Cada um deles refletia o entendimento cosmológico de sua época. Atualmente, enunciamos o princípio cosmológico da seguinte maneira: “O Universo, em grande escala, é homogêneo e isotrópico.” Vamos estudar um pouco essas palavras.
Logo de início, o princípio cosmológico nos avisa que se trata de algo relacionado ao Universo em grande escala, ou seja, em grandes distâncias. Quando falamos do Universo em grande escala, estamos falando de grandes porções espaciais do Universo, e não de pequenas regiões. Para termos uma noção do cenário cosmológico sobre o qual nos referenciamos quando falamos em Universo em grande escala, vamos acompanhar as seguintes ilustrações que comparam representações de diferentes porções espaciais do Universo (essas imagens e outras em diferentes escalas estão disponíveis no site http://www.anzwers.org/free/universe/. A unidade ly é a abreviação em inglês de ano-luz):





As Figuras de 1 a 5 mostram uma progressão de escala espacial, desde o Universo local em torno da Via Láctea, até o máximo que podemos observar do Universo (lembre-se de que essas imagens são ilustrativas, e a Figura 5 não significa que o Universo tem forma esférica). Com essas figuras, também podemos compreender por que o princípio cosmológico fala em homogeneidade.
Homogeneidade significa distribuição uniforme de matéria. Assim, se o princípio cosmológico estiver certo, devemos encontrar aproximadamente a mesma quantidade de galáxias (e também de aglomerados e superaglomerados de galáxias), em todas as partes do Universo em grande escala. Repare que isso só pode ser verdade em grande escala. Pegando uma pequena porção das Figuras de 1 a 4, certamente não temos uma homogeneidade na distribuição de matéria, assim como a matéria também não está homogeneamente distribuída aí, ao seu redor. Mas podemos dizer, com toda certeza, que observamos boa homogeneidade na Figura 5, ou mesmo em partes dela.
A homogeneidade do Universo é verificada pelas observações astronômicas. Existem trabalhos de mapeamento do céu que determinam a distribuição de galáxias e podem ser utilizados para testar a homogeneidade predita pelo princípio cosmológico. Os mapeamentos parecem confirmar uma distribuição homogênea de galáxias. A figura abaixo mostra um mapeamento obtido através de placas fotográficas com imagens de regiões profundas do céu.
Essas imagens foram scaneadas e o mapa montado por computador, mostrando a distribuição de galáxias na região fotografada pelas placas.

Assim, segundo as observações que possuímos até os dias de hoje, podemos verificar que, de fato, existe homogeneidade na distribuição de matéria no Universo. Mas lembre-se: em grande escala! O princípio cosmológico só se verifica em escalas de bilhões de anos-luz. Em outras palavras, podemos entender a homogeneidade no princípio cosmológico como uma maneira de dizer que não há lugar privilegiado, ou especial, no Cosmo.
O outro aspecto esperado para o Universo (em grande escala!), segundo o princípio cosmológico, é a isotropia. A isotropia nos fala da ausência de direções privilegiadas. Vamos a um exemplo simples para ilustrar isotropia e anisotropia.
Imaginemos o céu azul e sem nuvens de um dia ensolarado. Podemos encontrar várias regiões de igual luminosidade, com o mesmo brilho, mostrando o mesmo tom de azul. Entretanto, existe uma região muito mais brilhante, exatamente onde está o Sol no céu. Isso significa que não percebemos isotropia com relação à luminosidade em todo o céu de um dia ensolarado, porque há uma direção onde existe um brilho muito mais intenso em comparação com outras regiões.
O princípio cosmológico nos diz que, indo muitíssimo mais além do sistema Terra-Sol, para muito além de nossa Galáxia, considerando o Universo na escala representada na Figura 5, devemos observar isotropia. No que diz respeito à radiação, por exemplo, devemos verificar que a quantidade de radiação vinda de todas as direções é a mesma. No que diz respeito à matéria, em todas as direções devemos observar uma mesma distribuição e quantidade de matéria. As propriedades do espaço são as mesmas em todas as direções. Mais uma vez, isso só é válido (desculpe a insistência) em grande escala!
Homogeneidade como conseqüência da isotropia.
O princípio cosmológico não faz distinção de lugar para a isotropia. Isso significa que ele diz que o Universo é isotrópico visto de qualquer posição. Perceba que isso nos leva a um Universo homogêneo. Um observador situado em qualquer ponto de um Universo isotrópico deve observar, em qualquer direção, a mesma distribuição de matéria. Logo, esse Universo é, também, homogêneo. Entretanto, o inverso não é verdade, ou seja, a homogeneidade do Universo não tem a isotropia como conseqüência.
Vamos explorar a homogeneidade como conseqüência da isotropia em qualquer ponto para ilustrarmos mais uma vez a diferença entre esses dois conceitos que nos traz o princípio cosmológico. Em primeiro lugar, criemos um Universo homogêneo, mas não isotrópico. Imagine que o paralelepípedo abaixo tenha as faces opostas identificadas, ou seja, cada face está colada com a face oposta. Não é possível desenhar esse Universo ilimitado, mas se quisermos um Universo isotrópico, temos que fazer esse exercício mental.

Note que as estruturas vermelhas estão homogeneamente distribuídas por todo o nosso Universo. Entretanto, ele não possui o mesmo aspecto se for observado em todas as direções. Observar esse nosso Universo imaginário na direção A é bem diferente de observá-lo nas direções B ou C. Dessa forma, esse nosso Universo é homogêneo, mas não isotrópico.
Compare agora com o Universo homogêneo e isotrópico da figura a seguir.

Procure notar que nesse nosso segundo Universo imaginário – lembrando que as faces opostas estão identificadas, ou coladas -, o mesmo aspecto pode ser observado em qualquer uma das três direções A, B ou C, a partir de qualquer ponto. Consequentemente, uma mesma distribuição das pequenas estruturas que preenchem esse Universo deve ser também observada.
É importante notar, também, que a homogeneidade como consequência da isotropia só é válida se a isotropia for válida para qualquer ponto do Universo em questão. Na figura abaixo, temos uma outra representação de Universo hipotético. Dessa vez, o Universo é finito e limitado, e possui forma esférica.

Repare que temos isotropia nesse Universo apenas para um observador no centro. E não há homogeneidade, pois considerando os traços e pontos como matéria, cada região delimitada por uma esfera possui uma diferente distribuição de matéria.
Ainda falta muito para conhecermos do Universo, como, por exemplo, sua forma e as causas da misteriosa aceleração da expansão. Mas, por mais mistérios que o Universo ainda nos reserve, parece que conseguimos conhecer duas de suas características mais fundamentais. Essa é uma grande conquista para a Cosmologia. E enquanto o princípio cosmológico não for derrubado, ele continua a ser o grande teste para teorias cosmológicas futuras.
Obrigado pela divulgação científica. Muito obrigado! Adorei o conteúdo!!
Valeu, Renan! Muito obrigado pelo carinho e incentivo.
Bons céus pra vc sempre!
Muito bem escrito o texto! Como leitor leigo, consegui compreender os conceitos explanados.
Muito obrigado, Felipe! Fico extremamente feliz com isso e se houver algo em especial na Astronomia que deseje trocar uma ideia, é só aparecer!
Bons céus pra vc!