
Imagine que você esteja olhando para uma lâmpada distante e que uma pequena mosca passe na frente dela, entre você e a lâmpada. Seria possível perceber alguma mudança de brilho? Se algo maior que a lâmpada, como uma pessoa, passasse na frente, certamente você perceberia… mas uma mosquinha?
É mais ou menos assim que funciona a técnica de detecção de planetas extrassolares que nos indicou a existência do planeta batizado de Kepler 22b. Ele ganhou as páginas dos jornais por ter sido o primeiro planeta extrassolar girando ao redor de uma estrela parecida com o Sol e com temperatura próxima a da Terra, apropriada para suportar água líquida e, consequentemente, vida.
Kepler 22b gira ao redor da estrela KIC 10593626, que, para nossa sorte, recebeu um outro nome ao se tornar objeto de estudo do telescópio espacial Kepler: Kepler 22. Essa estrela fica na constelação de Cisne (se quiser procurá-la na carta celeste: ascensão reta [latex]19h16m52.2s[/latex] e declinação [latex]+47^{\circ}53’4.2”[/latex]). A detecção do planeta foi feita através da análise da variação do brilho da estrela, que diminui quando ele passa na frente, entre nós e a estrela. Assim como uma mosquinha na frente de uma lâmpada distante, o planeta produz uma diminuição bastante sutil no brilho da estrela, e apenas com dispositivos muito sensíveis conseguimos perceber essa variação. Nossa ciência moderna caminha lado a lado com a tecnologia.
Em alguns jornais e revistas saiu a informação de que Kepler 22b está “localizado” na zona de habitabilidade de sua estrela. Pois é, esse “localizado” deve ser colocado entre aspas por enquanto. O fato é que se conhece o semi-eixo maior da órbita, mas não sua excentricidade, ou seja, não sabemos o quanto achatada é a órbita.
A Zona de Habitabilidade é definida como uma região ao redor da estrela onde um planeta pode ter água líquida. Ou seja, não está nem muito longe da estrela para a água congelar, nem tão perto para ela evaporar. Como a órbita de Kepler 22b não está completamente determinada, não se pode ter certeza que esteja totalmente incluída nessa região. Entretanto, o cálculo de sua temperatura de equilíbrio nos mostra um valor onde é possível a água permanecer líquida. Apesar disso não ser o mesmo que dizer que ele tem essa temperatura em todos os momentos de sua órbita, é dito que o planeta está na zona de habitabilidade. Me parece mais seguro dizer que ele pode estar na zona de habitabilidade, sabendo que ele pode simplesmente passar por ela, sem ter sua órbita totalmente dentro da zona de habitabilidade.
De qualquer forma, este é, com certeza, o primeiro planeta extrassolar onde realmente seria possível encontrar vida como conhecemos aqui na Terra.
Sua chamada Temperatura de Equilíbrio Radioativo, ou Temperatura de Equilíbrio Global, é de 262K. Bem semelhante à da Terra, que é 255K. Como é bem explicado pelos autores do estudo que levou à descoberta de Kepler 22b (veja referência abaixo), essa não é necessariamente a temperatura da superfície do planeta. Seria se o planeta não tivesse atmosfera. No caso da Terra, a temperatura na superfície é 33K maior que sua Temperatura de Equilíbrio Radioativo e, no caso de Vênus, 500K maior. Assumindo que Kepler 22b tenha propriedades térmicas semelhantes às da Terra (uma mera especulação), a temperatura em sua superfície seria 295K. Entretanto, os 262K são números mais seguros porque são obtidos com os dados disponíveis, sem se assumir coisa alguma.
Além da temperatura, temos outras semelhanças entre Kepler 22b e a Terra. Seu raio é de cerca de 2.4 o raio da Terra. A maioria dos planetas extressolares descobertos até então eram bem maiores que a Terra, 5 vezes ou mais.
A determinação da massa e da órbita estão interligadas, e os dados não permitiram uma boa determinação nem de uma nem de outra. Sabemos que o semi-eixo maior da órbita (maior distância entre o planeta e a estrela) é 0.85 u.a. , enquanto o da Terra é 1 u.a. , e que sua massa sua massa pode ser no máximo de 124 vezes a Massa da Terra. Pois é, essa é uma massa e tanto, mas é apenas um limite superior. Vários valores abaixo desse são possíveis.
O ano de kepler 22b é de aproximadamente 290 dias, nada muito diferente dos nossos 365 dias, aproximadamente. E, para terminar o lheque de semelhanças entre esse simpático planeta e a nossa Terra, a estrela que ele orbita é também bem parecida co o nosso Sol. A estrela Kepler 22 é de tipo espectral G5V, o do Sol é G2V. O tipo espectral fornece uma classificação por características do espectro, e a diferença entre essas duas estrelas é que Kepler 22b é um pouco mais fria que o Sol.
Os dados não permitem informações ainda muito completas, mas não deixam dúvidas que esse é o primeiro grande candidato a planeta habitável e até, quem sabe, habitado. Me parece que os últimos avanços nas descobertas de planetas extrassolares não deixam dúvida que é apenas questão de tempo até encontrarmos vários planetas com características que nos permitam classificá-los como potencialmente habitáveis.
Perceba que conhecer planetas que possam abrigar vida não significa conhecer planetas com vida. Análise química da atmosfera vai ser fundamental para encontarmos traços químicos de matéria orgânica e podermos dizer que, finalmente, encontramos um planeta com vida. E um outro passo será buscarmos dentre esses planetas com vida, algum, ou alguns, com vida inteligente.
Resumo do artigo original (em ingl?s): http://arxiv.org/abs/1112.1640
Artigo original em PDF (em ingl?s): http://arxiv.org/pdf/1112.1640
Outros links, na mídia:
6 respostas em “Kepler 22b”
O Hubble já detectou galáxias a 13,2 bilhões de anos-luz. É impossível que não exista planetas com condições semelhantes a de nossa Terra. Absurdo seria caso não houvesse.
qual era a visão de kepler?
Oi, Thalita
Você se refere à visão de Johannes Kepler sobre planetas extrassolares? Isso não teve nada a ver com a escolha de seu nome para a Missão…
A Missão Kepler foi batizada com o nome desse astrônomo alemão porque ele foi o primeiro a descrever as órbitas planetárias como elipses, melhorando muito a previsão das posições dos planetas. Sua terceira lei (que relaciona o período da órbita com a distância ao Sol), é usada na Missão para se conhecer o tamanho das órbitas, através da observação de repetidos trânsitos.
Muitos cientistas consideram Kepler o primeiro astrofísico por ele ter obtido suas leis através de dados catalogados (observações feitas por Tycho Brahe). Isso também pode ser somado às justificativas para a homenagem.
Sobre vida extraterrestre e planetas extrassolares, Kepler acreditava que poderia haver vida em outros planetas do Sistema Solar, mas não acreditava em planetas girando ao redor de outra estrela que não fosse o Sol. É preciso entender que Kepler era um homem religioso que colocava questões como:
“Se existem globos semelhantes à nossa Terra… Então como podemos ser obras-primas do trabalho manual de Deus?”
Sobre a descoberta de Galileu dos quatro maiores satélites de Júpiter, Kepler esreveu:
“Se você tivesse descoberto planetas orbitando uma das estrelas fixas, haveria me esperando agora correntes e uma prisão entre as inumerabilidade de Bruno. Eu deveria dizer, exílio em seu espaço infinito”.
Kepler se refere à crença de Girodano Bruno num espaço infinito e repleto de sistemas planetários habitados. Crença que ele, Kepler, não compartilhava. Mas, ainda assim, ele acreditava fortemente na existência de vida em outros planetas do Sistema Solar (planetas diferentes da Terra):
“Nossa Lua existe para nós na Terra, mão para outros globos. Aquelas quatro pequenas luas existem para Júpiter, não para nós. Cada planeta por sua vez, junto com seus ocupantes, é servido por seus próprios satélites. A partir dessa linha de raciocínio nós deduzimos com o mais alto grau de probabilidade que Júpiter é habitado”.
Portanto, se fossem pegar a visão de Kepler sobre planetas extrassolares, certamente teriam escolhido outro Astrônomo para homenagear XD
Abçs!
Olha rapaz, eu penso assim:
Quando se fala de ” vida em outros planetas” não consigo imaginar sobre seres em outros planetas, suas vidas, clima do planeta, e etc…
Mas, essa descoberta é apenas mais uma entre bilhões que o Homem descobirá.
Oi, Marcelo
Que bom que você também acha que não estamos sós em tanto espaço nesse Universo! XD
Pensar que ainda tem gente que acredita nisso me faz sempre pensar em quando acreditávamos que a Terra era o centro do Universo…
Ainda não se sabe se o Kepler 22b é rochoso ou gasoso. A maioria dos planetas extrassolares descobertos até a gora é de planetas comprovadamente gasosos, mas quanto a esse, em especial, não há certeza.
Esse foi apenas o primeiro descoberto com chances de abrigar água líquida, mas a determinação de sua massa e órbita não foram muito satisfatórias. Ainda há gente trabalhando com os dados do Kepler 22b (e haverá por muito tempo), e podemos ter ainda novidades sobre ele.
De qualquer forma, o telescópio Kepler tem todas as condições técnicas de ainda no indicar planetas que serão comprovadamente rochosos.
Ótimo texto Leandro. Compartilho com você a certeza de que Kepler 22b é só o primeiro passo para novas descobertas.
Em uma Galaxia com mais de 100 bilhões de estrelas, mais cedo ou mais tarde acharemos algo com características MUITO semelhantes as nossas.
Mas eu ainda tenho uma duvida, que talvez você possa me responder.
Em termos físicos, Kepler 22b é sólido como a Terra e ou é gasoso como Júpiter?