Imagine levantar os olhos para o céu numa noite escura, buscando o brilho de Andrômeda ou tentando encontrar o Cruzeiro do Sul, e se deparar com uma trilha de pontos luminosos cruzando o firmamento. Esses pontos não são meteoros, são satélites. Milhares deles. Esta cena, que até pouco tempo atrás pareceria saída de um filme de ficção científica, está se tornando uma realidade concreta com o avanço das megaconstelações de satélites. E a mais recente protagonista desse cenário vem do oriente: a constelação Qianfan, da China.
O que é a Qianfan?
A Qianfan é uma ambiciosa megaconstelação de satélites desenvolvida pela Shanghai Spacecom Satellite Technology, com apoio da gigante CASC (Corporação de Ciência e Tecnologia Aeroespacial da China). A ideia é colocar em órbita mais de 15.000 satélites de órbita baixa para prover internet de alta velocidade em escala global, nos moldes de outra constelação de satélites mais famosa, a Starlink da SpaceX.
Os primeiros conjuntos de satélites Quianfan já foram lançados com sucesso. Eles operam em órbitas polares e já começam a formar a espinha dorsal de uma rede que promete conectar o mundo com baixa latência e cobertura quase total.
O problema: luz demais no caminho
Mas nem tudo são flores, nem estrelas cintilantes. Com tamanha quantidade de objetos orbitando a Terra, surgem sérias preocupações entre astrônomos profissionais e amadores. A poluição luminosa artificial à qual estamos acostumados nas cidades agora está migrando para o espaço.
Cada satélite reflete a luz solar e pode ser visto da superfície terrestre, especialmente durante o crepúsculo e o amanhecer. Com milhares de satélites passando em sequência, os rastros luminosos têm interferido em observações feitas por telescópios, como os do recém inaugurado observatório Vera Rubin e em diversos projetos de pesquisa baseados em grandes levantamentos de imagens, que trabalham com energia escura, asteroides e galáxias distantes.
E não se trata apenas de incômodo visual. Dados importantes são literalmente riscados do céu. A astrofísica perde precisão, o céu perde silêncio.
Um céu em disputa
A Qianfan é mais uma peça no tabuleiro geopolítico espacial. China, Estados Unidos, União Europeia e outros países estão numa corrida para ocupar a baixa órbita terrestre com infraestrutura digital. A promessas de inclusão digital e avanço econômico são reais, mas cobram um preço.
Organismos internacionais como a União Astronômica Internacional (IAU) e a Organização das Nações Unidas (ONU) têm se posicionado em defesa do “céu escuro” como patrimônio da humanidade. Iniciativas como as zonas de preservação astronômica no Chile e nos Andes tentam mitigar os efeitos dessas constelações artificiais.
Não são apenas os dados que estão em jogo, mas também a experiência humana do sublime e do transcendente. Desde os tempos de Hiparco e dos astecas, o céu foi nosso maior calendário, templo, livro e objeto de meditação. Ele nos ensina humildade, continuidade e curiosidade.
Se privatizamos a visão do cosmos para trocá-la por conectividade instantânea, o que perdemos como civilização? Teremos acesso rápido às redes sociais, mas talvez estejamos desligando nossa conexão com as estrelas.
Ou será que estaremos acrescentando às estrelas que nossos antepassados contemplavam a marca de um futuro que eles sequer sonharam? Nossa contemplação do céu perde ou ganha com as megaconstelações de satélites?
A Qianfan e a Stalink são uma maravilha tecnológica, mas também um alerta urgente. Precisamos debater, como comunidade planetária, o uso do espaço orbital não apenas por suas vantagens técnicas, mas por seu significado cultural e científico. Mesmo que apenas o tempo diga o que ganhamos e o que perdemos com essas megaconstelações, certamente o céu noturno não pode virar uma vitrine de LEDs.
Bons Céus!
Saiba Mais:
- Wikipedia (en): Qianfan
- Starlink e a Poluição Luminosas: artigo da UAI
- Camp CANF 2025: uma jornada sob as estrelas
- Eclíptica – Dicionário de Astronomia
- Esfera Celeste – Dicionário de Astronomia
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