Essa entrevista foi publicada no Globo On-line [link desativado: http://oglobo.globo.com/quemle/diversos/default_plutao.asp], na sessão Quem lê jornal sabe mais, na ocasião da mudança de classificação de Plutão. É interessante porque mostra minha visão desse momento histórico e a visão divergente de outro astrônomo que, na ocasião, trabalhava comigo no Planetário da Gávea. Foi produzida pela jornalista Daniela Leiras.
O que já é história e ainda não está nos livros |
Rebaixamento de Plutão reacende interesse pelo Sistema Solar Daniela Leiras O rebaixamento de Plutão no Sistema Solar, passando a ser classificado de planeta-anão, abriu uma polêmica sobre a importância dos estudos sobre o espaço. Como explicar a mudança para estudantes que ainda têm livros com a antiga formação? O Ministério da Educação informa que o conteúdo do material didático só deverá ser atualizado a partir de 2010. Segundo o MEC, as escolas que tiverem interesse em obter orientação devem procurar as secretarias de educação, mas os professores já podem realizar atividades para apresentar aos alunos a revolução no espaço. Com opiniões divergentes sobre a nova formação do Sistema Solar, os astrônomos Leandro Guedes, da Diretoria de Astronomia da Fundação Planetário do Rio, e Gilson Vieira, do Museu de Astronomia do Rio, destacam nesta entrevista assuntos que valem a pena serem discutidos em sala de aula, como a astrobiologia, a cosmologia e a mecânica celeste. QUEM LÊ JORNAL SABE MAIS: No último dia 24 de agosto, a União Internacional dos Astrônomos (UIA) decidiu, em Praga, rebaixar Plutão, passando a classificá-lo como planeta-anão. Eles alegaram que, para ser um planeta, o astro precisa ser dominante em sua zona orbital – a inclinação da órbita de Plutão não é paralela à da Terra e a dos outros sete planetas do Sistema Solar. Os senhores concordam com a mudança? LEANDRO GUEDES: Sim, concordo. Existiam duas opções: a de chamar os novos objetos observados no Sistema Solar de planetas e a de classificá-los de alguma outra forma. A decisão mais sensata, sem dúvida, foi a de criar uma nova classificação. Caso contrário, o número de planetas do Sistema Solar ia aumentar constantemente, pois estamos sempre observando novos objetos distantes. Esta decisão não foi fácil de ser tomada, e muito se debateu na comunidade astronômica. Agora, existem no Sistema Solar os oito planetas clássicos (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno) e os planetas-anões (Plutão, o antigo asteróide Ceres, entre outros). Quem acha que Plutão ficou triste por ser retirado da família dos planetas, lembre-se de que ele ganhou uma nova família muito mais numerosa. E, se ele foi rebaixado, Ceres, que era classificado como asteróide, foi, então, promovido, pois também passou à categoria de planeta-anão. GILSON VIEIRA: Eu não concordo com o rebaixamento. A categoria de planeta-anão ainda não está bem caracterizada. Acho que se buscou uma definição sob a ótica estrita dos critérios científicos e não se atentou para os eventuais benefícios que uma caracterização menos “amarrada” poderia trazer para o público não especializado. Eu acredito que em ciência, como em tudo mais na vida, se você faz a pergunta errada, tem uma probabilidade enorme de receber a resposta errada; se você faz a pergunta certa, a chance de obter a resposta certa é grande; e se você não faz pergunta alguma, não há por que esperar uma resposta. Até hoje, não se fazia praticamente nenhuma referência ao Cinturão Principal de Asteróides entre Marte e Júpiter, assim como não se dizia quase nada sobre o Cinturão de Kuiper, além de Netuno. Plutão continuava, porém, como uma pergunta incômoda: “Como é que esse planeta tão pequeno e tão diferente dos gigantes gasosos apareceu por lá?”. A tentativa de responder à questão poderia, eventualmente, levar o cidadão comum a aprender mais sobre o Sistema Solar, aumentando sua percepção da ciência e do fazer científico, coisa cada vez mais necessária numa sociedade científica e tecnológica como a atual. Com o rebaixamento de Plutão, para os efeitos da alfabetização científica da população, o cenário ficou mais pobre. Assim como não se falava do Cinturão Principal de Asteróides, agora vai ser mais complicado falar dos objetos transnetunianos. Fica mais fácil dizer que o Sistema Solar tem apenas oito planetas, e a inércia mental fará com que a maioria das pessoas se contente com isso. QL: Plutão passou a ser chamado de planeta em 1930. Por que demorou tanto para sua denominação ser reavaliada? LEANDRO GUEDES: Plutão sempre causou estranheza por ser pequeno e sólido, mas ter sua órbita situada logo após planetas gigantes e gasosos. Mas ele era o único do seu tipo quando foi descoberto, não existiam outros objetos semelhantes a ele. Nós sabemos que o Sistema Solar se formou a partir de uma nuvem de gás e poeira, que chamamos de nebulosa, onde se iniciou um processo de colapso gravitacional. No centro da nebulosa, concentrou-se a maior quantidade de matéria e foi onde se formou o sol. No que restou da nebulosa foram se formando os outros membros do Sistema Solar. Em 1951, um astrônomo holandês naturalizado americano chamado Gerard Kuiper propôs que a matéria da nebulosa não deveria acabar de repente em certa distância do centro, mas ir diminuindo de densidade. Quanto mais longe do centro, menos quantidade de matéria. Deveria haver então uma distância a partir da qual não fosse mais possível formar grandes planetas, mas pequenos corpos, semelhantes a Plutão. Apenas recentemente, graças à melhoria das técnicas de observação, começamos a verificar que após as proximidades da órbita de Netuno realmente existem vários outros corpos bastante semelhantes a Plutão, inclusive maiores do que ele. Por isso só agora a questão da classificação de Plutão foi levantada. QL: Uma campanha que tem como um dos divulgadores o coordenador da missão da Nasa para Plutão, Alan Stern, foi lançada na internet para pedir que Plutão seja reclassificado como planeta. A campanha inclui venda de adesivos para carros com a seguinte frase: “Buzine se Plutão ainda é um planeta”. O que o senhor acha da iniciativa? LEANDRO GUEDES: É uma tentativa bem-humorada de divulgar a missão. A Nasa sabe que a opinião pública é importante para seus projetos serem apoiados pelo governo americano, então constantemente promovem campanhas do tipo “escolha um nome para o robozinho” ou “envie seu nome para Plutão”. É uma maneira interessante de mostrar à população o que estão fazendo. Considero esta uma importante lição que deveríamos aprender aqui no Brasil: divulgar a ciência que o país produz. Acrescento que esta missão, chamada “New Horizons”, mostra que de forma alguma Plutão perdeu sua importância científica. Outros planetas-anões, assim como cometas e asteróides, guardam importantes informações sobre a composição química original da nebulosa que formou o Sistema Solar. O curioso é que, como a “New Horizons” foi anterior à nova classificação, a missão partiu para ir a um planeta e vai chegar a um planeta-anão. QL: A partir de agora, as aulas de ciências nas escolas sofrerão mudanças. Como os senhores acham que os professores devem apresentar a modificação no Sistema Solar para alunos que ainda têm livros com nove planetas? Além de citar a redenominação de Plutão, que temas mais importantes podem ser debatidos a partir daí? LEANDRO GUEDES: Realmente os livros didáticos vão demorar um pouco para serem atualizados. A melhor maneira de apresentar a modificação é oferecer aos alunos textos atualizados de divulgação científica que expliquem a nova situação do Sistema Solar. Pode-se também entrar em contato com astrônomos que se disponibilizem a dar palestras nas escolas ou programar uma visita ao Planetário mais próximo. GILSON VIEIRA: Acho que será uma boa oportunidade de iniciar um papo mais produtivo sobre as caracterizações de planetas, planetas-anões, satélites, planetas-duplos… Os professores podem aproveitar o “agito” provocado pelas novas definições para deixar claro que não é a Lua que gira em torno da Terra, mas ambas giram em torno do centro de massa do sistema. Imagine, também, que, a partir daí, se torne necessário diferenciar o sistema planeta-satélite do sistema planeta-duplo; que se possa desenvolver a compreensão de que a descoberta de novos planetas em torno de outras estrelas (planetas extrasolares) tem sido feita a partir da observação do movimento da estrela em torno do centro de massa daquele sistema solar; que, finalmente, se possa passar a idéia de que, a partir de uma certa escala de tamanho, é a gravidade a principal força organizadora dos astros. Seria um prato cheio para se sair daquelas definições de “centro de massa de uma chapa retangular homogênea…” e outras que, na verdade, soam aos ouvidos dos estudantes mais como decoreba do que como algo vivo. QL: Como o senhor analisa a atual fase da astronomia mundial em relação às últimas descobertas? Quais os desafios que quem estuda astronomia pode encontrar daqui para frente? LEANDRO GUEDES: A astronomia sempre avança à medida que conseguimos observar melhor o universo. Antes mesmo da observação dos objetos semelhantes a Plutão, a astronomia tinha tido um grande marco que foi a observação de planetas fora do Sistema Solar, ou seja, planetas girando em torno não do Sol, mas de outras estrelas. Com isso, percebemos que é comum estrelas terem planetas e o número de planetas existentes deve ser gigantesco. Isso aumentou muito as chances de encontrarmos vida fora da Terra e fez surgir uma nova área do conhecimento: a astrobiologia. Ela tem como principal função analisar as possibilidades de um determinado planeta ter vida e, em caso positivo, como seria essa vida. É uma área nova e bastante promissora. QL: Que material extraclasse pode ajudar os professores a tornar as aulas de ciências mais dinâmicas e interessantes? LEANDRO GUEDES: O Sistema Solar pode ser facilmente representado com bolinhas de isopor. Estruturas como galáxias ou nebulosas podem ser modeladas com material barato, estimulando a criatividade dos alunos. Uma atividade bastante dinâmica é montar um Sistema Solar com as próprias crianças. Um aluno no centro é o sol e cada planeta gira em torno dele, sendo que os mais próximos giram mais rapidamente e os mais distantes, mais vagarosamente. De repente, um cometa vem passando no meio dos planetas, passa bem perto do sol e volta para bem longe. Esta atividade pode mostrar aos alunos noções das leis de Kepler, que vão rever no ensino médio. E que tal o aluno mais levado para ser o cometa? É também uma boa atividade para deixar as crianças desenharem sua concepção de Sistema Solar e universo. A análise destes desenhos é muito interessante. Com relação a textos, é imprescindível procurar fontes confiáveis. Em nosso site (www.planetariodorio.com.br) temos diversos textos, muitos com ilustrações, que podem ajudar em sala de aula. Estamos também à disposição de alunos e professores que podem nos contatar com perguntas por e-mail ([email protected]). |