Oi Mariana!
Se você me permite, vou pegando alguns trechos seus e comentando, pode ser? 🙂
Eu sempre admirei muito a ciência, o universo, as descobertas, os planetas, os fenômenos, e tudo o mais. E também sempre fui razoavelmente boa em exatas. Esses foram os principais motivos que me levaram a fazer Física.
Excelente! Isso significa que você tem o que um professor meu chama de “ambição intelectual”. Como sua ambição intelectual está voltada para a natureza, não tenha dúvidas que você escolheu uma da melhores carreiras para ser feliz.
Durante minha graduação, porém, venho percebendo que a carreira de pesquisador não me agrada tanto quanto eu imaginava. Gosto dos fenômenos, mas não gosto muito dos métodos que os pesquisadores usam pra chegar até eles… Entende?
Entendo perfeitamente. Essa coleta de dados em algumas áreas pode parecer um trabalho automático e pouco criativo, mas envolve um conhecimento prévio do quê aqueles dados significam. Por exemplo, quando se faz redução de dados, você tem um monte de números cuspidos por um computador ligado a um detector e você precisa saber o que significam tanto aqueles números como o os dados que você pode obter a partir deles.
Gostaria de deixar duas coisas para você pensar:
– Talvez, enxergar o processo como um todo, desde a coleta e obtenção de dados até chegar a um resultado final, a fase de trabalhar com dados seja mais prazerosa, porque será apenas um parte de um todo bem maior;
– Existem áreas teóricas em que os métodos não envolvem lidar diretamente com dados observacionais. Evidentemente, se você está fora da matemática pura, é interessante confrontar resultados teóricos com dados observados, mas não existe o processamento dos dados exatamente. Por exemplo, a relatividade geral foi um trabalho teórico mas houve a confrontação dos dados do eclipse de 1919 e até hoje com lentes gravitacionais.
Talvez a sua questão com os métodos, seja resultado de alguma experiência. É possível que você faça as pazes com eles no futuro, mesmo que sua carreira siga um caminho em que você não precise lida diretamente com manipulação de dados.
…ou a leitura de artigos muito extensos e cansativos. Pelo menos na Física é assim, não sei se o universo do curso de Astronomia é um pouco diferente.
Ah! Concordo plenamente com você. E na Astronomia não é diferente não, é exatamente a mesma coisa. Os artigos, em geral, são escritos apenas para pessoas daquela área e diversas explicações que poderiam facilitar a vida do leitor são simplesmente ignoradas. Isso pode estar relacionado com uma ideia de compactação do texto, ou seja, os textos são de fato direcionados para pessoas da área e as explicações são ignoradas para resultar em um texto mais curto.
Existe também uma questão de “talento” para escrever e com isso não estou querendo dizer algum tipo de talento nato, se é que isso existe… Eu acredito que talentos se desenvolvem. Como a grande maioria dos pesquisadores se treinam para escrever apenas para pessoas da mesma área e de forma concisa, não se desenvolve um estilo de escrita mais explicativa, leve e agradável a qualquer leitor. Eu até entenderia que artigos de física ou astronomia fossem complicados para pessoas das áreas de humanas ou biológicas, mas um físico de partículas deveria ser capaz de ler com tranquilidade um artigo de mecânica celeste. Isso não acontece. Muitos artigos são tão hermeticamente escritos que até para pessoas da área fica complicado se entender o que foi feito exatamente. Os resultados estão sempre ali, claros, mas os métodos, nem sempre.
Por essas razões, quando precisamos chamar um pesquisador para dar palestra para o público, temos que buscar aqueles que conseguem dialogar tanto com seus colegas de trabalho quanto com o público de qualquer área.
Existem as notáveis exceções que são os “Reviews”. Esses são escritos com o objetivo de explicar um determinado assunto e não necessariamente expor resultados para o colega que trabalha em outro lugar.
Daí, pensei em trabalhar com divulgação científica. Produzir textos para crianças, ou até para adultos que não são do meio acadêmico (entre outras maneiras de divulgar), já não me parece cansativo.
Excelente. Talvez esse seja seu caminho, e um caminho que tem tido excelentes perspectivas no Brasil. Quando eu entrei para a graduação, a comunicação científica era vista como algo menor, algo não digno de um bom cientista. Hoje o cenário é bem diferente: a comunicação científica é feita por pessoas do meio científico que se dedicam a desenvolver habilidades de se expressar para o publico leigo. Essa mudança de perspectiva não foi por causa de algum melhoramento no espírito humano dos cientistas, mas foi resultado do aumento de incentivo do governo federal à essa atividade. Muita gente da pesquisa viu que tinha uma boa grana sendo destinada à comunicação científica e resolveu direcionar suas atividades para ela.
Acho que se você quiser se especializar em comunicação científica, você terá excelentes oportunidades e uma carreira estimulante pela frente.
Existem pessoas da área de Física ou Astronomia que trabalham apenas com divulgação científica, sem ter que produzir pesquisa?
Bom… existem, mas eu enfaticamente NÃO RECOMENDO. Existem instituições que trabalham mais com pesquisa, como o Observatório Nacional e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, e outras que trabalham mais com comunicação, como o Planetário do Rio e o Museu de Astronomia. Mas todas elas atuam nas duas áreas, e é esperado que seus cientistas também atuem. Sentar e se dedicar só a uma das duas possibilidades é ter a atitude do pior tipo de funcionário. Penso que um cientista completo deve atuar tanto com pesquisa como com comunicação (lembre que a pesquisa pode ser em campo teórico, não necessariamente com redução e processamento de dados).
Meu argumento com os que só fazem divulgação é: Com quem você prefere aprender botânica? Com um cara que fez faculdade a 30 anos atrás e hoje reproduz o que leu, ou com um cara que está constantemente lá no microscópio olhando para suas plantinhas? A mesma coisa vale para física e astronomia. Independente da área em que você esteja fazendo sua pesquisa, isso irá melhorar sua capacidade de falar sobre qualquer outra área também, porque você estará no meio da pesquisa.
Meu argumento com os que só fazem pesquisa é: Não são os impostos das pessoas que pagam seu salário? Então, que tal dizer a elas o que você faz? Isso pode ser feito através de um blog, colunas para alguma publicação, cursos diversos, aulas numa faculdade ou num colégio, etc.
Portanto, sim, existem os que só pesquisa ou e os que só fazem comunicação, mas eu não recomendo que você faça isso. Acho muito importante que você escolha alguma área de pesquisa, mesmo que não seja necessariamente cientifica. Pesquisa em educação, por exemplo, é essencial para os Planetários e Museus.
Graduação, mestrado, doutorado? E como fazem pra chegar até esse trabalho? Concurso? Como essas pessoas fazem a divulgação científica, como é a jornada de trabalho?
Graduação, mestrado e doutorado obrigatoriamente… mas um pós-doutorado cai muito bem também 🙂 O importante é fazer de cada uma dessas etapas uma fonte de satisfação. Nada dá certo nessa vida sem prazer, e lembre que ciência é uma atividade humana, realizada por humanos 😉 Sim, muito provavelmente você vai conseguir seu emprego através de concurso. Na astronomia, que eu me lembre agora, a única empresa privada que contrata sem concurso é a Star One, que presta o serviço de controle de satélites para a Embratel. Não me lembro de nenhuma outra aqui no Brasil. Soube de alguns físicos que foram contratados por bancos, mas a carreira vai para o lado das finanças e da economia, que também podem ser muito interessantes, mas fogem da pesquisa e comunicação científicas de que estamos falando.
O trabalho na comunicação científica geralmente consiste em se envolver em projetos da sua instituição. Onde eu trabalho, por exemplo, constantemente temos atividades de observação do céu para o público em diversos lugares, produção de sessões de planetário e um programa constante de produção de textos de astronomia. Eventualmente recebemos financiamento para alguma atividade especial, como a realização de um ciclo de palestras, publicação de livro para ser distribuído para escolas, alguma atividade itinerante, etc. A jornada é normal, 8 horas por dia. Quando alguma atividade necessita de trabalho no domingo, ou por um tempo maior, há compensação de horário depois.
Como deu pra perceber, tenho muitas dúvidas… Desculpe fazer tantas perguntas! Mas é realmente difícil saber isso tudo, e são decisões muito importantes que eu preciso tomar.
E como deu para perceber, eu gosto de conversar sobre esses assuntos relacionados à ciência. Não tem nada para desculpar, muito pelo contrário: obrigado pela oportunidade de fazer essas ideias circularem na minha cabeça, e pode enviar QUANTAS PERGUNTAS QUISER SEMPRE. Você está num momento de fazer escolhas, e com certeza as melhores são aquelas feitas com autoconhecimento. Olhe pra você para decidir que caminhos tomar, tanto agora como em qualquer outro momento semelhante na vida.
Vamos nos falando!
Forte Abraço!
Leandro